Como a pandemia impactou os modelos de trabalho

Especialista explica de que forma empresas e colaboradores foram afetados com as mudanças nos formatos de trabalhos nos últimos anos

No início de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da COVID-19 como uma emergência de saúde global. Entretanto, os três anos de pandemia foram responsáveis por diversas mudanças, inclusive nos ambientes de trabalho. Começando pela adaptação ao home office e trabalhos híbridos, as tendências no mercado corporativo não param de crescer.

O movimento 4 Day Week Global, por exemplo, surgiu como uma plataforma para pessoas e empresas interessadas na ideia de semanas de quatro dias como futuro do trabalho e já rendeu bons resultados em países europeus. No Brasil, a atividade está em fase de testes iniciais. O modelo ficou conhecido como “100-80-100” e significa 100% salário, 80% do tempo e 100% de produtividade, como explica a psicóloga organizacional, mentora de executivos e consultora da Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências – Fundatec, Maria Regina Xausa. “A partir de experiências positivas, pode existir a possibilidade de votação no congresso, mas nada impede que as empresas façam isso por conta própria”, afirma.

Outra tendência em alta é o “unbossing”, ou “sem chefe”. Esse modelo de trabalho não diminui a necessidade de líderes e gestores, apenas muda a ideia da importância de um chefe. “Esse termo vem do conceito de Caroline Marcon, no livro “O Poder dos Times AAA”, e significa uma liderança adaptativa às necessidades da equipe, onde o líder entende as necessidades do grupo em cada momento, atuando como mentor”, declara a especialista. Para esse formato funcionar, o líder precisa estar em sintonia com o seu grupo. Não existe “unbossing” sem confiança ou escuta ativa.

Além desses fenômenos, a pandemia causou uma grande aceleração digital, com inclusão e aprendizagem. “O que as pessoas não sabiam fazer, elas tiveram que aprender. Então a pandemia trouxe um mundo muito mais digital, com recursos próximos ao alcance das pessoas e elas tendo que, com medo ou sem medo, entrar na era digital, ter uma alfabetização digital e contar com os recursos”, analisa Xausa. Nos últimos anos, os serviços se tornaram mais organizados, com o desenvolvimento de softwares, possibilitando que as pessoas lidem com suas questões financeiras e de comunicação. “Hoje todo mundo se comunica e vive virtualmente e isso teve uma aceleração na pandemia, mas ela também trouxe aspectos que são preocupantes e merecem nossa atenção”, esclarece.

Doenças de trabalho

Em janeiro de 2022, a OMS classificou a Síndrome de Burnout como doença ocupacional. Caracterizada como distúrbio emocional grave, a síndrome representa esgotamento profissional e é caracterizada pelo desânimo, sensação de fracasso com baixa autoestima, pensamentos negativos, depressão, criatividade reduzida, lapsos de memória e exaustão constante, entre outros aspectos.

Na pandemia, alguns aspectos contribuíram para o aumento dos casos de Burnout, passando desde a tensão e ansiedade causadas pela própria ameaça da COVID 19 (e de suas consequências) bem como pelo fato de nem as chefias, nem os colaboradores estarem preparados para trabalhar em home office. “Muita gente ficando em casa, não conseguindo enxergar seu próprio limite, já que muitos faziam diversas atividades juntamente com o trabalho. As chefias e colaboradores não souberam dar limites, gerando a possibilidade muito grande de esgotamento”, observa a psicóloga.

É preciso que os líderes tenham consciência da gravidade do Burnout, para que colaboradores não ultrapassem seus limites, visto que as empresas podem perder força de trabalho e grandes talentos por causa dessa condição. Além disso, como prevenção, é fundamental que todos cultivem um bom ambiente de trabalho, com medidas de alerta e mensuração para evitar, ou corrigir rapidamente, o surgimento de mínimos sinais de ambientes tóxicos.

Ainda que muitos problemas não sejam caracterizados como doenças ocupacionais, é preciso sempre estar atento aos sinais silenciosos. O quiet quitting e o quiet firing são exemplos de fenômenos que surgiram com muita força na Europa durante a Pandemia e que chamam a atenção.

quiet quitting, ou “desistência silenciosa” consiste no fato de os colaboradores estarem tão desmotivados, que somente não se demitem formalmente do emprego por precisarem “pagar suas contas”, algo que é muito comum aqui no Brasil. Neste caso, eles ficam “se auto demitindo silenciosamente todos os dias” no trabalho. Muitos fatores contribuem para este fator, tais como ambientes de trabalho tóxicos, exigências descabidas, problemas de relacionamento chefia-colaboradores ou entre os próprios colaboradores, e até mesmo a alocação inadequada de tarefas/ cargos em relação às competências dos profissionais.

Já o quiet firing é a situação na qual os colaboradores fazem apenas o mínimo, sem irem além de suas funções básicas, como se fosse um “boicote silencioso”. Normalmente ocorre diante da tendência de as organizações solicitarem inúmeras atividades além das atribuições para as quais os trabalhadores foram formalmente contratados, sem os respectivos reconhecimentos e remuneração correspondentes.

Como solução, Xausa sinaliza a necessidade de capacitação das equipes para lidar com a evolução tecnológica e as novas oportunidades que ela gerará. “Em todos os fenômenos citados, nós podemos entender o que podemos ou não fazer e as condições que necessitamos para tal, seja individualmente, ou em equipe. Se tivermos cuidado, escuta e capacidade de adaptação, nosso trabalho nunca deixará de ser necessário”, finaliza.